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"Estamos no Verão de 1971. No edifício que seria o Centro de Congressos do Estoril, por detrás do Casino, dezenas de alunos de dança encontram-se numa das mais apetecíveis aulas do curso desse ano: o bailarino e mimo nova-iorquino Adam Darius, radicado em Helsínquia, percorre o mundo com as suas oficinas de movimento. Maria Pinto, que foi pianista do Ballet Gulbenkian, acompanha. Darius pede-lhe uma rapsódia de temas e sugere a cada aluno que improvise uma dança enquanto ouve. Olga Roriz, que na altura fazia 16 anos e era aluna de Anna Ivanova no Centro de Estudos de Bailado, no Teatro Nacional de São Carlos, sente-se pequena naquele espaço, repleto de gente das mais diversas idades. Está lá por recomendação: a exigência e o rigor a que se habituara não se compadeciam com os três meses de férias que então o Verão significava. E uma bailarina, ainda para mais uma bailarina de Anna Ivanova, não podia dar espaço de manobra à indisciplina. (...)

Deixo-vos inteiramente livres e soltos, dancem ao som das várias músicas, era o repto. No final, aquela rapariga terá feito algo de diferente: o mimo aponta para Olga, chama-a à frente e pergunta-lhe se pode repetir o que tinha feito, para mostrar aos outros. Além de se lembrar exactamente dos movimentos que, instantes antes, tinha improvisado, terá executado a sequência ainda melhor — agora, que não havia gente à volta, tinha mais espaço, estava à vontade. Quanto terminou, Adam Darius apontou aquele como o exemplo de uma coreografia bem construída, qualquer coisa com princípio, meio e fim: estão a ver, ela fez assim, depois evoluiu por ali, ali fez um círculo e depois terminou, no mesmo sítio mas não exactamente da mesma maneira. Apesar de ter dirigido workshops em mais de 80 países, Darius ainda se recorda deste episódio, daquela menina novinha, que se realçou dos outros, a quem pedi que fizesse o solo. É que havia ali um potencial, qualquer coisa de muito especial e promissor. (...)

Olga Roriz fez-se uma bailarina singular, mas rapidamente se tornou claro que a criação de movimento seria central na sua carreira. Foram inúmeras as pessoas que, ao longo da vida, a estimularam a perseguir esse talento. E a primeira dessas pessoas foi alguém totalmente inesperado. Fiquei realmente surpresa quando ele me ofereceu um dos seus livros e escreveu a dedicatória: «to little Olga, who I’m sure will be a big choreographer». Um profissional com algum peso, estrangeiro, que me via pela primeira vez, escrever uma coisa dessas, deu-me imensa força.

Ainda antes de aprender a dançar, já a pequena Olga ensaiava coreografias: contavam os pais e lembra a irmã que montava em casa pequenos espectáculos, puxava os estores, criava o ambiente e fazia umas danças. Tão tenra quanto aos três anos, a evidente inclinação para a dança chamou a atenção da educadora do jardim-escola: Manuela Pacheco observava que a criança não só gostava muito de dançar, como o fazia com uma concentração especial, incentivando a que os outros meninos a observassem. A educadora conseguia mesmo capitalizar essa curiosidade, prometendo antes da hora da sesta: se os meninos se portarem bem, depois a Olguinha dança para vocês. (...) A aptidão precocemente demonstrada levou o casal, na altura em que a menina fazia quatro anos, a tomar uma decisão que poderia ser vista como insensata: mudar a família para Lisboa, onde a filha teria como amadurecer essa vocação. (...)"

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